Três reportagens – veiculadas nas edições 600, 601 e 602 da Revista Cidade Nova – formam a série “A busca da simplicidade”, que conta a história de pessoas que resolveram mudar de vida para valorizar experiências e vivências ao invés de bens materiais.
Pouco antes da primeira reportagem ser publicada, chegava ao Brasil o livro “Menos é Mais”, da norte-americana Francine Jay, um relato em primeira pessoa de como Francine e o marido decidiram vender tudo o que tinham e ficar somente com o que cabia em uma mala, seguindo o que prega a chamada “filosofia minimalista”. Também foi este conceito que inspirou a jornalista e blogueira Graziella Giannini, entrevistada exclusiva para a reportagem, a mudar de hábitos.
A segunda reportagem traz a experiência de Paulo Roberto da Silva, doutor em Ciências Contábeis, PhD em Sociologia Econômica e professor associado da Universidade Federal Fluminense (UFF), adepto do movimento “simplicidade voluntária”. Além disso, a história da blogueira de moda Elisângela Silva Souza, que decidiu passar um ano sem comprar roupas.
Na terceira e última reportagem, é apresentada a experiência de quem deixou o conforto da cidade grande para morar em ecovilas, moradias com essência rural que se dedicam à integração do ser humano com a natureza.
Confira abaixo a primeira reportagem da série, que tem como título “Quando menos é mais”
Há pouco mais de um mês o livro com a experiência da norte-americana Francine Jay chegou ao Brasil. Intitulado Menos é Mais, ele conta como Francine e o marido decidiram vender tudo o que tinham e ficar somente com o que cabia em uma mala, seguindo o que prega a chamada “filosofia minimalista”. Assim como no movimento artístico que começou a se desenvolver no século XX, o estilo de vida minimalista é nada mais, nada menos do que identificar aquilo que é essencial e eliminar o excesso. Com isso, haverá mais tempo para fazer o que é, de fato, importante, como, por exemplo, dedicar-se à difusão de práticas positivas e cultivar relacionamentos com familiares, amigos, vizinhos etc.
Foi com a filosofia minimalista que Graziella Giannini, jornalista e autora do blog Minimalismo na Prática, começou a mudar seus hábitos. Ela conta que tudo começou “no susto”, quando percebeu que havia acumulado, ao longo do tempo, 45 bolsas. “Eu me assustei quando contei, já que não tinha noção do tamanho do meu descontrole e acumulação. As coisas começaram a mudar nessa época, em meados de 2007”, escreveu em seu blog. Desde então ela tenta diminuir a quantidade de livros, roupas, sapatos etc. e relata a experiência no blog.
No título do seu mais recente livro, o jornalista britânico James Wallman, utiliza um termo cunhado por ele que resume o fato de ter mais coisas do que o necessário: Stuffocation; um trocadilho entre as palavras stuff (coisa) e suffocation (sufocamento). Ou seja, ter aquilo que se imagina não traz felicidade, ao contrário, é ruim para o planeta, atravanca as casas e faz com que as pessoas se sintam sufocadas pelas coisas e estressadas. “E pode até nos matar”, completa Wallman em seu site http://www.stuffocation.org.
Ao entrevistar antropólogos, economistas e psicólogos que estudam o consumismo, o jornalista apresenta pessoas que trocaram o materialismo pelo experimentalismo, conceito também difundido no campo artístico, mas que, como estilo de vida, está focado na “compra” de experiências mais do que de coisas. Wallman explica, na apresentação do livro, que o experimentalismo não significa desistir de todos os bens materiais, mas superar a obsessão por eles, transformando-a na busca pelo que valorizamos. Na prática, é focar menos em bens e mais em experiências.
Por que não mudar?
Foi pensando na busca por experiências positivas que o casal Viviane Noda e Guto Zorello decidiu encarar o desafio de realizar uma viagem-pesquisa em busca de alternativas mais sustentáveis, justas e amorosas pelo Brasil. No ano passado, eles lançaram o PorQueNão? com o objetivo de “deixar claro que a mudança já está acontecendo, inspirando assim todas as pessoas que estão em busca de novas atitudes”. Eles já visitaram 30 iniciativas ao redor do país. Para o casal, o grande questionamento para partir nessa busca foi “Por que não ter uma família em um ambiente saudável?”. E a resposta encontrada por eles não poderia ser mais original: “Acreditamos que, para isso, seja necessário buscar soluções fora da nossa zona de conforto”.
Eles contam que a mudança no estilo de trabalho foi “só uma consequência de um projeto muito maior. Um projeto de vida. A partir do momento em que decidimos dedicar nossas vidas à busca de alternativas, ficou impossível nos mantermos dentro de um escritório”.
No blog do projeto, Viviane conta como começou a mudança de rota. “Sou formada em Administração pela ESPM e estava caminhando para o caminho ‘certo’. Então, percebi que estava longe de me sentir completa. Os questionamentos foram aparecendo e, com isso, o certo foi se transformando em duvidoso. Em meio às minhas confusões, descobri um outro mundo, onde tudo pode ser pensado para que todos saiam ganhando. Ganhando conhecimento, qualidade de vida, mais contato com a natureza, auto conhecimento, e o mais importante de tudo: liberdade”.
Em entrevista à Cidade Nova, o casal contou ainda que a maior dificuldade quando decidiram embarcar na empreitada do PorQueNão? foi a desconstrução de hábitos e preconceitos enraizados. “À medida que fomos descobrindo outras realidades e práticas, surgiu o desconforto da consciência. É difícil descobrir que todas as nossas escolhas influenciam outros seres humanos, animais e ecossistemas. A sensação era de que estávamos fazendo tudo errado. E de que, ao nosso redor, tudo também estava errado. Passamos mais de 20 anos estudando, aprendendo e nos ‘educando’ pra descobrirmos que precisávamos reaprender e aprender um monte de coisas”.
Entre as coisas que aprenderam, eles destacam o fato de não ser necessário “se matar” com rotinas estressantes somente para suprir objetivos ou desejos materiais, como ter roupas de marca. “No começo era estranho sentir que aquele mundo perdia sua graça a cada dia que passava”, contam.
Diariamente eles procuram questionar costumes e pensamentos. “Somos muito gratos e felizes por essa emancipação, primeiramente da consciência, mas com o grande benefício econômico. Hoje gastamos muito menos dinheiro e temos uma vida muito mais saudável”, relatam.
E o dinheiro?
Um dos entraves para mudar o estilo de vida é a questão financeira. Experiências como a da Viviane e do Guto são inspiradoras, mas podem encontrar nessa questão a principal barreira. Para o casal esse não foi o maior problema, mas exigiu esforços. Desde que surgiu a ideia do projeto, eles passaram a economizar e foi assim que conseguiram adquirir os equipamentos mínimos necessários para que o PorQueNão? saísse do papel. Além disso, lançaram uma campanha de crowdfunding e, com o apoio de instituições que já conheciam, conseguiram arrecadar o valor necessário. “Durante a estrada, vivemos bastante na base do colaborativo. Oferecemos nosso trabalho em troca de conhecimento e comida, basicamente. E está sendo uma experiência bem legal. Os brasileiros são muito receptivos. Nós nos sentimos parte de uma grande família. Enquanto vivemos em nossas rotinas, não conseguimos ter noção de que somos capazes de conviver no coletivo. Esse cenário é muito inspirador”, contam.
E é exatamente o consumo compartilhado que inspira autores como o jornalista James Wallman, a blogueira Francine Jay e muitos dos que adotam um estilo de vida que vai na contramão do consumismo.
Para Viviane e Guto, sem dúvida a qualidade de vida das pessoas, hoje, é melhor do que há 50 anos, mas poderia ser melhor ainda. “A mudança de hábitos de cada indivíduo pode ser muito mais do que uma simples saída para um melhor bem-estar individual (que de fato é). Ela pode ser a alavanca para mudanças sistêmicas, que propiciem uma infraestrutura que beneficie a vida e as relações harmônicas. Mais pessoas buscando alternativas saudáveis de vida significa mais massa crítica, mais políticos com essa visão nos representando, mais alimentos saudáveis por preços justos, mais infraestrutura socioambiental, melhores relações econômicas (baseadas na confiança), mais qualidade de vida… mais vida”, afirmam.
Contágio do bem
Unanimidade entre quem adota práticas mais simples de vida, o exemplo é contagioso. “Descobrimos que não há nada mais transformador do que alinhar o discurso à prática. Com o passar do tempo, depois de ultrapassarmos os desconfortos,
nossas famílias foram participando do nosso processo de conscientização naturalmente. A partir do momento em que sabemos que nossas ações estão interferindo na vida de outras pessoas, que estamos conectados em uma extensa rede de ação e reação, o pensamento muda. Daí, a ação vem naturalmente”, contam Viviane e Guto.