Sinopse
Alto do Oeste é uma cidade no meio do Cerrado, que, no início desse século, afundou inexplicavelmente dentro de um lago. Apesar de insólita, essa submersão foi acontecendo de forma lenta e gradual, de modo que também foi aos poucos que seus habitantes foram “expulsos” pelo avançar das águas e obrigados a abandonar à cidade. Anos depois, uma seca extrema no cerrado voltou a revelar Alto do Oeste, e todos os resquícios da vida das pessoas daquele lugar antes da inundação vieram à tona novamente, como se fossilizados pelo barro que agora encobre todas as coisas. Ao saber da notícia, Kênia Lopes, uma antiga moradora da cidade, decidiu que precisava fotografar as ruínas, como se em busca da resposta para uma questão jamais respondida: o que faziam os moradores enquanto aquele pequeno apocalipse se aproximava?
A gente sempre se acostuma, depois de um tempo. Se acostuma com o caminho até o colégio, com os programas da TV, com a cidade sumindo, com os blecautes, com apanhar sem nenhuma explicação. Isso me assusta um pouco. Se acostumar é não conseguir mais diferenciar as tragédias dos dias normais.
Minhas impressões
Quanto tempo demora para as pessoas perceberem que a cidade está afundando e nada mais pode ser feito? Essa é a premissa do livro da Aline Valek, que traz à tona as intrincadas relações sociais em uma cidadezinha no meio do Cerrado que, da noite para o dia (ou nem tanto assim), começa a ser engolida pelo lago que a margeia. E, 17 anos depois, emerge novamente e faz histórias do passado ressurgirem junto com ela.
Focada no retorno de uma das antigas moradoras à cidade para fotografar e documentar jornalisticamente o reaparecimento da cidade, a obra fala mais de relações pessoais do que do fenômeno, provavelmente provocado pelo aumento no nível do mar.
O que achei mais interessante foi essa abordagem nas relações que vão afundando junto com a cidade, que vão se deteriorando porque construídas sobre uma base muito frágil. A grande pergunta que me fiz lendo o livro é: como eu reagiria em uma situação assim? Será que eu também faria de tudo para escapar dessas águas barrentas, me agarrando em qualquer possibilidade que aparecesse, ou me manteria fiel às minhas origens, às minhas crenças e ao passado?
A Aline traz personagens que optaram tanto por permanecer fiéis quanto aqueles que fizeram de tudo para se livrar do passado e de ser engolidos pelas águas. E, depois, os coloca em confronto com as próprias memórias quando as águas baixam. A própria protagonista, por exemplo, usa a viagem como um momento de encerrar um ciclo do passado, fechar as portas e resolver aquela situação que ficou em aberto. No começo, Kênia parece bem resolvida com o fato de ter deixado tudo para trás, inclusive a amiga que jurou proteger como uma irmã e tirar dali também. Mas, aos poucos, conforme vai fotografando as ruínas e ouvindo os depoimentos dos moradores que voltaram, ela se dá conta de como sua história ali estava em aberto e o quanto aquilo tudo a magoava.
Para mim, o livro traz muito dessa mágoa do passado, das feridas não cicatrizadas, das dores de quem precisou sair correndo para se salvar, se agarrando a qualquer tábua de salvação possível, mesmo tendo de passar por cima do próprio orgulho. Porque, como disse Kênia, no fim a gente só pode salvar a si mesmo.
Fotografar é voltar várias vezes para o mesmo lugar, de novo e de novo, até que a história apareça. Ela já está lá, o tempo todo. Mas é só na repetição que conseguimos prestar atenção no que ela realmente quer dizer.