Passei uma semana tentando escolher um livro para inaugurar esta seção. Pensei em Asimov, por ser uma das minhas maiores inspirações, depois, em Roberta Spindler, por ser uma autora brasileira de sci-fi com uma trajetória bem bacana. Por fim, decidi que o livro que mais merecia este lugar era aquele que estava comigo quando comecei com a ideia louca de escrever ficção: Os Detetives Selvagens, de Roberto Bolaño.
… quando começava a amanhecer, eles me perguntaram se eu queria pertencer ao bando. Não disseram ‘grupo’ ou ‘movimento’, disseram bando, e isso me agradou. É claro que respondi que sim. Foi muito simples. Um deles, Belano, apertou minha mão, disse que eu já era um dos deles, depois cantamos uma rancheira. Isso foi tudo. A letra da canção falava dos povos perdidos do norte e dos olhos de uma mulher. Antes de começar a vomitar na rua, perguntei se os olhos eram de Cesárea Tinajero. Belano e Lima olharam para mim e disseram que sem dúvida nenhuma eu já era um real-visceralista e que juntos iríamos mudar a poesia latino-americana
Eu tive contato com a literatura de Bolaño no começo deste ano e, a princípio, houve um certo estranhamento pelo modo como o livro é escrito, em forma de diário (não sou fã do gênero). Demorei um tempinho para engatar na leitura; fiquei enrolando, mas chegou em um ponto que ele fluiu.
O livro é dividido em três partes. A primeira e a terceira são o diário de Juan García Madero, jovem estudante de direito que começa a frequentar uma oficina de poesia e acaba conhecendo o movimento literário real-visceralista ou visceralismo real, fundado pela poeta mexicana Cesárea Tinajero nos anos de 1920, mas que foi refundado por Arturo Belano (alter-ego do autor) e Ulisses Lima (alter-ego do escritor mexicano Mario Santiago Papasquiaro, amigo de Bolaño). Os dois, que estão em busca de mais informações sobre Cesárea, convidam Madero a entrar para o movimento. E é aqui que entra a terceira parte do romance, uma sucessão de entrevistas com personagens que apareceram na primeira parte e que servem, supostamente, para que Belano e Lima tentem entender o que aconteceu com Cesárea.
Para mim, é a parte mais envolvente do livro. Não é fácil acompanhar a sucessão de diálogos e personagens, mas há uma bossa nisso tudo que encanta. E dá vontade de sair por aí tentando ser como Bolaño.
Mesmo sem saber direito o que é esse tal de real-visceralismo, cheguei no fim do livro desejando que ele fosse real e confesso que dei uma pesquisada na internet. O máximo que encontrei foram resenhas muito melhores que essa.
Outro ponto positivo do livro é o final. Nada de obviedades ou de conclusão para a história do tal visceralismo. Você vai fechar o livro com aquela sensação de “Não acredito que o autor encerrou assim!”. Para mim é algo desafiador e corajoso. Dá aquela sensação de querer ler o livro novamente para tentar pescar mais algum indício de solução. Mas, para quê respostas se a beleza é a caminhada? E isso se aplica tão bem ao ato da escrita. A diversão toda está no caminho que se percorre até o ponto final. E assim é a vida, afinal. Que Bolaño nos sirva de alento.