No livro Cidades afundam em dias normais uma cidade no meio do Cerrado passou 17 anos submersa e, de uma hora para outra, voltou à tona. O que levou a “Atlântida do Cerrado”, como Alto do Oeste fica conhecida no livro de Aline Valek, a desaparecer é um mistério inexplicável que muitos acabam atribuindo a “uma mensagem de Deus” e, por isso, a cidade entra na rota do turismo religioso.
Mas cidades realmente podem começar a afundar de uma hora pra outra?
Um estudo publicado no ano passado na revista Advances, especialista em divulgar descobertas científicas que impactam o ser humano, mostra que muitas cidades estão, sim, afundando sob o próprio peso. Conduzida pelo geofísico Tom Parsons, da United States Geological Survey, a pesquisa usa como objeto de estudo a cidade de São Francisco, nos Estados Unidos e calcula que a região afundou aproximadamente 80 milímetros devido ao crescimento no decorrer dos anos. Isso se deve ao peso dos edifícios da cidade, que chegam a 1,6 trilhão de quilos, sem contar o peso da população.
O afundamento pode parecer pequeno, de apenas 80 mm, mas é um dos impactos pouco visíveis e pouco comentados da ação humana na Terra. Se você adicionar ainda a esta equação o aumento no nível do mar provocado pelas mudanças climáticas teremos uma cidade sendo inundada em níveis um pouco mais alarmantes.
No Brasil o caso mais emblemático é o afundamento de bairros inteiros em Maceió por causa da mineração de sal-gema. Ao todo, eram 35 minas de sal-gema exploradas na região e algumas delas colapsaram (afundaram sobre si mesmas), chegando a provocar, inclusive, um tremor de magnitude 2,5 na escala Richter.
Na cidade, 55 mil pessoas já tiveram que deixar suas casas por causa do problema, mas o número de realocados pode crescer ainda mais. Há bairros, por exemplo, que não possuem um alto risco geológico, mas que ficaram isolados sem serviços públicos ou comércio.
Atualmente, a Braskem, que explorava as minas de sal-gema, desativou este tipo de operação na cidade e passou a arcar com as indenizações para os moradores. Assim como em Alto do Oeste, o fenômeno começou a atrair turistas, que queriam ver os bairros fantasmas.
Além de afundar, as cidades também podem emergir?
Já vimos que as cidades podem acabar, de fato, afundando. Mas e voltar à tona, como aconteceu com Alto do Oeste, será que é possível?
Somente aqui no Brasil temos mais de um caso muito parecido com o do livro Cidades afundam em dias normais. Um deles aconteceu em 2021, quando as ruínas da antiga cidade de Rubineia reapareceram. Inundada na década de 70 para a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (SP), a cidade voltou à gala depois que a margem do rio Paraná recuou cerca de 200 metros devido à estiagem. Porém, ao contrário de Alto do Oeste, muitos moradores de Rubineia já haviam vendido inclusive os tijolos das casas antes da inundação e, por isso, poucas estruturas permaneceram intactas.
Pelo interior do país é possível ouvir muitas histórias de regiões submersas devido à construção de barragens hidrelétricas, já que são mais de 720 municípios que possuem alguma área alagada para este fim. E, com o agravamento dos períodos de seca, que tendem a ser cada vez mais acentuados, muitas dessas áreas estão reaparecendo e trazendo de volta as memórias de quem viveu nesses locais. Com uma busca rápida na internet é possível encontrar inúmeras reportagens sobre o assunto.
A questão é que instalações de barragens de empreendimentos hidrelétricos afetam profundamente não só a vida dos moradores, mas a biodiversidade local. Se pegarmos, por exemplo, a Usina de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, uma área de 1500 km² de florestas e terras agriculturáveis foi inundada para a sua construção. Apesar dos programas de conservação da biodiversidade, o habitat de muitos animais se perdeu em meio às águas e não poderá jamais ser reconstruído.
O próprio Cerrado, abordado no livro da Aline, foi amplamente devastado, apesar de ser de extrema importância para as águas brasileiras. O bioma abriga as nascentes de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras, incluindo as bacias Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata, além de três grandes aquíferos: Guarani, Bambuí e Urucuia. Chamado de berço das águas ou, ainda, caixa d’água do Brasil, o Cerrado já perdeu 50% de sua área original. E a relação é clara: quanto mais destruído, menos água ele produz. Por isso, podemos ver muitas cidades ainda reaparecerem como Alto do Oeste, trazendo consigo muitas histórias dos seus antigos habitantes.