Passei um bom tempo da minha infância lendo Reinações de Narizinho em voz alta para o meu avô enquanto meus pais trabalhavam. As palavras que eu li se perderam no tempo, mas o prazer proporcionado por aqueles momentos me marcou tanto que a literatura se tornou uma parte da minha vida. Em alguns momentos, era uma parte empoeirada, em outros, como agora, uma realidade diária.
Talvez tenha sido justamente este encantamento que tenha me levado para o jornalismo, 22 anos atrás. Na época, não tinha sido apresentada à profissão de escritor e o jornalismo supria também outras demandas pessoais. Exatamente por isso, escrever sempre foi parte da minha rotina.
Em meio às muitas experiências marcantes que vivi, as palavras iam escorrendo ruidosamente e se transformando em notícias. Mas, curiosamente, nunca havia pensado em transpor para a literatura esta minha facilidade com as palavras escritas. E quando a ideia me veio à mente, com a ajuda de umas propagandas na internet, foi como me reencontrar com aquela sensação de descoberta de um mundo novo que tive na infância. Aos poucos, fui me reencantando com as palavras e acabei arrastada para dentro de um oceano vasto de possibilidades.
Passei a prestar mais atenção na pessoa por trás do livro, na efervescente produção nacional e, principalmente, passei a dar mais ouvido para as ideias que pululavam na minha cabeça. Foi uma relação de altos e baixos, porém fértil e duradoura. Em alguns momentos, dediquei toda a rotina para que ela frutificasse – cheguei a acordar às 5h diariamente para cultivá-la -, em outros, fui tragada pelas outras urgências da vida. Foi preciso um tempo de maturação para nos conhecermos e estabelecermos os parâmetros desta convivência.
Nesse tempo aprendi muito sobre o processo de escrita e sobre o esforço necessário para que uma ideia saia da cabeça e vá para o papel. Não foi fácil e pensei, sim, em desistir. Mas agora que o hábito está consolidado, não vejo como voltar atrás. A escrita se tornou minha ferramenta de resistência na aridez do mundo.
E o ato de tornar isso público é, mais do que relatar um fato, empreender um compromisso de continuar escrevendo, custe o que custar (até as muitas horas de sono a menos).